
Por Júpiter! Acaso a sinceridade e a velha fórmula de "confessar a atração" já não são suficientes para qualquer um envolver-se em doces romances? Infelizmente, para muitos, isso é coisa do tempo de Matusalém, e, por estas razões, suponho que este serviço por telefone mencionado acima será um sucesso. Pelo menos para a empresa que o promove.
Se sou daqueles que não acreditam na possibilidade de se desenvolver técnicas de conquistas idílicas, todavia, é fato a existência de caras... como direi?... ah, meio desajeitados com mulheres. E um desses era o amigo de infância Zé M. Certa ocasião, estávamos no Clube Social de Ilhéus, no baile anual d'As Dez Mais Da Sociedade Ilheense, promovido por um colunista social da região, conhecido pelo curioso codinome de Joseph Marie. O interessante deste baile é que, ano após ano, entre as eleitas, oito destas dez senhoras ilustres eram sempre as mesmas, portanto, a disputa, na verdade, ocorria apenas entre duas das mulheres da lista, o que me levava a imaginar que estas duas inclusões no podium da high society das terras da Gabriela eram disputadas a tapa nos bastidores do evento. Ou melhor, a cifrões, provavelmente originários dos altos lucros obtidos — à época — com o cultivo do cacau. Porém, eu e os meus amigos não estávamos nem aí para tal lista, o nosso objetivo — como modernos cavaleiros andantes — era a busca por romances e aventuras. Para tal fim, nos vestíamos com o nosso melhor traje. Tenho certeza de que se o meu único terno para ocasiões especiais, de corte slim fit, tecido cinza-escuro com riscas de giz, seis botões e lapelas largas, se aventurasse sem o seu dono por aqueles ambientes do clube, percorreria todos eles sem nenhuma dificuldade.
O baile seguia em seu estado default, quando lá pelas tantas, no primeiro intervalo das danças, a galera jovem — geralmente desprovida de dinheiro suficiente para comprar uma mesa — aglomerava-se em torno do bar do clube. Foi aí, nessa circunstância, que o amigo Zé M. ouviu o doce badalejar dos sinos da paixão. Bem ali, próxima uns cinco metros, encostada no balcão, uma garota tomava um suco de frutas. Eufórico, ele segurou o meu braço, apertando-o com a força de dez ursos, enquanto fazia movimentos de cabeça mostrando-me a menina responsável pelo repicar dos sinos passionais. Desorientado, solicitou a minha assistência acerca da maneira mais apropriada para uma abordagem de sucesso. Naquele tempo, aos dezessete anos, ainda padecia dos resquícios de uma timidez renitente, por conseguinte, não era o melhor conselheiro para assuntos desse tipo. Porém, por uma questão de princípios, urgia prestar socorro ao amigo antes que alguém mais ousado se aproximasse da moça. Desse modo, o aconselhei a fazer uma brincadeira singela ou dizer algo engraçado para ela, com a finalidade de derreter o gelo. Enfim, as mulheres — especialmente as mais inteligentes — quase sempre gostam de caras engraçados. Se ela sorri — continuei — é uma abertura para uma piada galante, seguida de um olhar nos olhos, arrematado por um sussurrar de palavras doces ao ouvido. Também o alertei que em nenhuma hipótese fizesse uso de expressões banais: "você é daqui mesmo?"; ou, "que calor, hein?"; ou ainda, "parece que vai chover". Confesso que se fosse o ouvinte dos sinos, não sei se teria a coragem suficiente para por tal plano em ação, embora, teoricamente, o considerasse de eficiência bem razoável. Mas Zé M. gostou do estratagema, de imediato, entornou o resto da sua dose de cuba libre, respirou fundo e avançou, orientando-se pelos sons dos sinos do amor.
Depois da abordagem, ele contou que no momento exato em que chegara junto à garota, sob a égide de intensa tremedeira geral, esqueceu tudo que eu lhe dissera. Assim, não restava-lhe outra alternativa senão seguir seu próprio instinto. Me aproximei um pouco mais com a pretensão de acompanhar melhor o desfecho — para o bem ou para o mal — da arriscada empreitada em que se aventurava o amigo. De início, ele não disse sequer uma palavra, limitando-se a movimentar lentamente o corpo de um lado para outro, e com ambos os braços estendidos para baixo, batia a palma de uma mão na outra. Primeiro, a frente do tórax, depois, pelo lado de trás, repetindo esta sequência pelo menos umas seis vezes. Quem está fora do "campo de batalha" é óbvio que não raciocina da mesma maneira de quem está ali, na linha dos lanceiros, assim, vislumbrei maus augúrios naquela coreografia de resultado duvidoso e um tanto horrível. Mas, enfim, num ímpeto, ele balbuciou: "Você é daqui mesmo?". Ouviu-se como resposta, um monossílabo impessoal e de magnitude zero quanto ao grau de interesse: "sou". Ele sorriu amarelo, e falou: "que calor, hein?". A garota reduziu ainda mais a intensidade monossilábica, e disse: "é". Já esboçando um plano de retirada estratégica, ele rematou: "parece que vai chover". A moça fez ar de enfado, demonstrando má vontade até mesmo para articular outro monossílabo, e murmurou: "hum".
Apesar da pouca idade compreendi o quão traiçoeira é a mente humana sob estado de tensão, pois ele só lembrara justamente das coisas que eu dissera para não falar. Mas de repente aquele cenário de falta de graça e insipidez mudou abruptamente, atraindo a atenção de todos que se encontravam nas imediações do bar. De olhos esbugalhados e mais pálida que aquele Nosferatu de Herzog, a garota após soltar um grito de pavor, em desespero, correu para bem longe dali. É que o Zé — sem ter mais o que falar—, num movimento rápido e preciso, digno de um samurai movimentando uma daikatana, subitamente, com a mão estendida simulando um punhal, tocara de leve a barriga da menina, enquanto dizia, quase num grito: "Olha a faca!"
Envergonhado e sob intensa zombaria dos rapazes ao redor, caminhou a passos quase trôpegos em minha direção. Inicialmente, pensei em afastar-me o mais depressa possível do lugar, para que não percebessem que ele estava comigo, porém, desisti do intento, afinal, amigos são amigos, seja nos maus ou nos bons momentos. Mas não deixei de passar-lhe severa repreensão. Atordoado, ele justificou: "mas você não disse que eu poderia fazer uma brincadeira, para derreter o gelo?". Tive ímpeto de responder-lhe: "falei para derreter o gelo, e não a Groenlândia inteira". Mas deixei para lá, dei-lhe um tapa amistoso nas costas e nos dirigimos ao balcão do bar para mais duas cubas libres.
Ao menos naquela noite o Zé fez história, pois serenado os ânimos, aquele acontecimento inusitado já era do conhecimento de quase todos os presentes à festa. Muitos dos rapazes até repetiam com outras garotas a brincadeira "singela" do Zé: "olha a faca!", seguida, sempre, de muitos risos. Mais tarde, enquanto a cantora da banda destilava "... se você sente o corpo colar / solte o seu medo bem devagar...", eu dançava de rosto colado com uma garota, e fiquei a imaginar que apesar da abordagem do Zé, desprovida de qualquer ornato ou enfeite, além de nenhum "pé" na complexidade intelecto-sedutora, a noite estava bem divertida. Afinal, em um baile, o que conta mais é a diversão. E neste contexto, talvez a melhor companhia seja mesmo a de um amigo de índole simplória. Se não pensa assim, na sua próxima festa, experimente levar alguém com personalidade kafkiana. ;o)
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Nota:
The Knack... And How To Get It, é o título de um filme britânico, dirigido em 1965 por Richard Lester. No Brasil, A Bossa Da Conquista; em Portugal, Lições De Amor.